O molusco leva preocupação ao Nordeste (Fotos: CBEI/Divulgação). |
Historicamente afetado pela estiagem, devido à seca, o Nordeste brasileiro ganhou mais um inimigo no problema do acesso à água: o mexilhão-dourado, molusco asiático de 5 cm que entope tubulações de abastecimento e irrigação e invadiu o maquinário das usinas hidrelétricas de Sobradinho (BA) e Luiz Gonzaga (PE).
Há um ano e meio o mexilhão-dourado se espalha pelo rio São Francisco, onde estão as usinas. Pesquisadores estimam que na área de Sobradinho a população do molusco está em 40% do máximo que pode chegar – 200 mil indivíduos por metro quadrado, quando ele para de se reproduzir por falta de alimento.
Com área de atuação até então restrita a bacias do Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil, o mexilhão-dourado foi encontrado no São Francisco pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ano passado.
Foi uma surpresa para os pesquisadores do CBEI (Centro de Bioengenharia de Espécies Invasoras de Hidrelétricas), sediado em Belo Horizonte e que vêm estudando a espécie desde que ela chegou ao Brasil, em 1998, oriundo da Argentina, onde o primeiro registro se deu em 1991, na bacia do rio Prata. O molusco chegou à América do Sul por meio de navios cargueiros.
Pesquisadores e funcionários da Chesf observam equipamento da Usina de Sobradinho invadido pelo mexilhão-dourado. |
Já no rio São Francisco, os pesquisadores dizem que o molusco chegou, provavelmente, por meio do “peixamento”, ato de deslocar em tanques peixes de um rio para o outro, já que as bacias do Sudeste não se encontram com o São Francisco. “Essa é a hipótese mais provável”, disse o pesquisador Fabiano Silva, da CBEI.
As invasões provocaram mudanças no sistema de operação da Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), sobretudo em Sobradinho, onde o molusco invadiu os adutores da turbina das seis unidades geradoras de energia, forçando a usina a fazer paradas obrigatórias de dois dias a cada três meses para limpeza da área afetada.
Baixa vazão
Como a Chesf está praticamente sem gerar energia em Sobradinho, devido a baixa vazão do rio, de 830 metros cúbicos por segundo – o normal é 2.060 –, o prejuízo, por enquanto, está sendo pouco. Sobradinho opera atualmente com o reservatório em 11% da capacidade, um dos mais baixos da história.
Em Luiz Gonzaga o problema tem ocorrido em menor grau, diz o diretor de operações da Chesf João Henrique de Araújo Franklin, segundo o qual a manutenção antes do molusco era feita a cada 20 mil horas de operação das usinas — sem tempo determinado para ocorrer.
“Tivemos de alterar nosso sistema de manutenção e estamos ainda aprendendo a conviver com o molusco, já que erradicá-lo, como temos visto em outros locais é muito difícil”, comentou Araújo Franklin.
Há menos de 50 km da usina, na área do reservatório de Sobradinho, há dezenas de tubulações que levam água para as cidades baianas de Juazeiro, Remanso e Casa Nova, da pernambucana Petrolina e a sistemas de irrigação para agricultura do Vale do São Francisco.
As prefeituras informaram que, por enquanto, não tiveram problemas com o abastecimento, diferente do que ocorreu no início dos anos 2000 em Porto Alegre (RS), onde o abastecimento de água foi afetado por causa do entupimento de tubulações nas quatro captações da margem esquerda do Lago Guaíba.
Segundo a Prefeitura de Porto Alegre, “a obstrução das tubulações causou redução da vazão de água e, consequentemente, desabastecimento, porém é difícil precisar um número [de pessoas atingidas pelo desabastecimento]”.
O animal já está em várias tubulações da área de Sobradinho. |
O órgão informou que atualmente monitora os locais de captação com mergulhadores. “Quando encontramos mexilhão-dourado aderido aos nossos crivos e tubulações, realizamos a limpeza mecânica destes”, informou.
Outro afetado pelo mexilhão foi a Usina Hidrelétrica de Itaipu, onde o molusco chegou em 2001, causando o entupimento de encanamentos em equipamentos da hidrelétrica e também desequilíbrios ambientais.
Em Itaipu, o problema só foi amenizado por volta de 2010, após a implantação de um programa de monitoramento e pesquisas com vistas a impedir a invasão do molusco, que não chegou a impedir a geração de energia da usina.
Avanço
Estudos da CBEI mostram que durante um ano o molusco chega a se espalhar por um raio de até 240 km, o que torna as tubulações de captação de água do reservatório de Sobradinho vulneráveis a invasão do mexilhão-dourado.
Responsável por projetos públicos de irrigação no Vale do São Francisco, a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) informou que a presença do mexilhão-dourado “é constante no lago artificial da barragem de Sobradinho”.
Reservatório de Sobradinho está com um adas vazões mais baixas da história. |
Segundo a Codevasf, nos perímetros de irrigação, nos sistemas de adução, contudo, “não há ocorrências significativas do mexilhão-dourado”. O perímetro irrigado da Codevasf leva água para 10.210 agricultores familiares e 1.279 médios e grandes agricultores instalados nos lotes.
Outra preocupação é com a transposição do rio São Francisco, pois o molusco foi visto também “em quantidade considerável” no eixo norte do canal, nas proximidades da cidade pernambucana de Cabrobó, a cerca de 100 km do reservatório de Sobradinho.
Os pesquisadores do CBEI emitiram no final de 2015 alerta, informando que “a presença destes organismos nestas localidades é grave, pois afetará a captação de água pelas comunidades adjacentes”.
“É extremamente urgente que estas localidades comecem a ser monitoradas desde já. A identificação da presença destes organismos na fase de estabelecimento é de suma importância para que medidas de controle comecem a ser tomadas”, diz o documento.
Transposição
O Ministério da Integração Nacional solicitou no início de agosto a licença de operação do projeto de integração do rio São Francisco, com vistas à transposição, que pretende levar água a 12 milhões de pessoas em 390 municípios nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O governo prevê que os reservatórios de água estarão cheios no primeiro trimestre de 2017.
A conclusão das obras físicas nos dois eixos do empreendimento – Norte e Leste – está prevista para dezembro deste ano. Para isso, o governo federal ampliou o repasse financeiro mensal às empresas executoras do Projeto São Francisco, hoje com 88,4% de avanço das obras e mais de nove mil trabalhadores em campo.
Animal de 5 cm já provocou falta de abastecimento de água em Porto Alegre. |
“Desde o início das obras do Projeto São Francisco, em 2008, o Ministério da Integração Nacional monitora a fauna e a flora da região impactada pelo projeto, por meio do Programa de Conservação de Fauna e Flora, que é executado em parceria com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf)”, informou o ministério, em nota.
“Com o início da fase de testes do empreendimento, em 2014, o monitoramento nas estruturas que captam a água do rio São Francisco foi intensificado pelos pesquisadores da Univasf. São verificados, por exemplo, equipamentos hidromecânicos, grades de proteção, bombas, etc. As equipes identificaram a presença de mexilhões dourados no rio São Francisco e no canal de aproximação, que conduz a água do manancial até a primeira estação de bombeamento do eixo, mas os organismos não afetam ainda as estruturas do projeto e nem a qualidade da água”, garante.
Fonte: www.aratuonline.com.br.
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