quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Alga marinha pode ser alternativa econômica sustentável para o Rio de Janeiro

 


O município de Paraty, importante destino turístico na região da Costa Verde do Rio de Janeiro, conhecido por suas referências culturais remanescentes do período colonial e costumes que agregam as culturas indígena, africana e caiçara, promete ser um novo polo de economia sustentável e inclusiva. Pesquisas conduzidas com a macroalga  Kappaphycus alvarezii na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em outras instituições no estado vêm confirmando o potencial econômico desta alga para usos diversos, incluindo  atender parte da demanda interna e mundial do espessante carragena e de novos pigmentos naturais. A produção tem a vantagem de produzir impacto mínimo no ambiente e ser uma alternativa sustentável de inclusão da comunidade local, que passa a ter mais uma fonte de renda.

Em sua tese de doutorado em Ciências da Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos na UFRJ, sob orientação da professora Ana Lúcia do Amaral Vendramini, a bióloga Lívia Galdino da Cruz Suzart pesquisou o “Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis com o Aproveitamento Integral da alga Kappaphycus alvarezii”.  Estima-se que as micro e macro algas representam 90% da biota oceânica e que 150 espécies são utilizadas para consumo humano, em especial na alimentação dos orientais, na qual a alga é um insumo básico. Seus compostos bioativos lhes conferem o título de plantas multifuncionais. A Kappaphycus alvarezii está na lista das mais produzidas mundialmente, correspondendo a 88% da matéria prima utilizada na produção de carragenas, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). 

Para atender às demandas mundiais de carragena e agar-agar no início dos anos 1960, o Brasil, mesmo com sua costa de 8000 km, teve seus estoques de algas ameaçados em menos de uma década. A fim de atender à crescente demanda nacional por coloides, sem comprometer a biodiversidade nacional, no ano de 1995 a espécie Kappaphycus alvarezii foi introduzida experimentalmente no litoral norte do estado de São Paulo e a algicultura comercial teve início em 1998 na Baía da Ilha Grande (BIG), estado do Rio de Janeiro. Durante a Conferência dos Oceanos, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2017, foi estabelecida a Década dos Oceanos entre 2020 e 2030, período em que toda atividade econômica sustentável no mar deve ser denominada Economia Azul.

De acordo com Lívia, o projeto “Algicultura e Desenvolvimento Territorial Sustentável” na Baía da Ilha Grande teve início em 2019, com a capacitação para o cultivo, já que as técnicas de extração das carrageninas haviam sido difundidas de 2010 a 2014 na região. De setembro de 2021 a dezembro de 2022 o curso de extensão da UFRJ, “Algicultura e desenvolvimento territorial sustentável”, fruto da parceria com a Prefeitura de Paraty e o apoio da emenda parlamentar do deputado Paulo Ganime, contou com cinco turmas. Ao todo foram 219 inscritos, que tiveram carga horária de 90 horas entre aulas teóricas e práticas, dos quais 87 se formaram, sendo 93% dos alunos originários de Paraty.

Em 2022, foi realizado o workshop “Diálogos, Conexões e Ação”, no qual 25 palestras abordaram temas das áreas ambiental, bioeconomia, políticas públicas, fomento e gastronomia. Por meio do edital de Apoio a Eventos, a FAPERJ apoiou a iniciativa, que atraiu 131 interessados e 70 diferentes instituições, entre públicas e privadas, entre elas empresas de beneficiamento e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que passou a acelerar as licenças para os produtores. “As palestras foram voltadas para entendermos as demandas dos produtores e serviram para a construção de metas e ações junto com a Prefeitura de Paraty e associações”, explica Lívia. 

Com o início do curso de extensão “Algicultura e Desenvolvimento Territorial Sustentável”, em 2022, foi instalada uma Fazenda Escola de Algicultura em Paraty, com a proposta de promover a capacitação humana para essa atividade emergente no território brasileiro. Segundo Mauricio Roque da Mata, engenheiro de Pesca, Mestre em Biologia Marinha responsável pela Fazenda, a produção por metro quadrado varia conforme o tamanho das balsas. Uma balsa de 240 m2 produz uma média de 2.000 kg de biomassa por ciclo de 65 dias, sendo cinco ciclos por ano. Na Fazenda Escola serão instaladas 13 balsas, que deverão gerar 130 toneladas por hectare ao ano. Desse total, 20% (26 toneladas) são utilizadas para o replantio, dando continuidade ao cultivo. Assim, para comercialização são 104 toneladas de macroalgas frescas por hectare ano, cujo quilo "in natura" varia entre R$ 4,50 a R$ 5,50.

Dias 6 e 7 de julho passado, também com apoio da Fundação, coordenação geral da professora Ana Lúcia Vendramini e coordenação técnica de Lívia Galdino, foi realizado o "II Workshop Algicultura na BIG: Fortalecimento da Cadeia Produtiva", que atraiu 280 inscritos presenciais e mais de 30 interessados online. Ali estiveram reunidos 40 algicultores em atividade, 14 beneficiadores, 60 interessados em iniciar cultivo, 56 pesquisadores, 18 representantes de instituições de fomento. Os participantes puderam degustar delícias preparadas com a alga Kappaphycus alvarezii por cozinheiras caiçaras. Do setor público estiveram presentes representantes de universidades federais e estaduais, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Secretaria de Energia e Economia do Mar do Estado do Rio de Janeiro, a Marinha do Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Banco do Brasil, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem  Industrial (Senai), entre outras. 

Entre as instituições privadas, marcaram presença, entre outras, o Funbio, a Forjazul, empresa de tecnologia e serviços de avaliação genética, especialimente de algas; a Grisea, empresa que produz bioplástico a partir de algas (veja vídeo no canal Faperj), a Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a Ager Biológicos & Homeopatia (do estado de Goiás), e a Algii, empresa de cosméticos fundada por Lívia e Ana Lucia, que produz cremes hidratantes e antiatrito à base de algas Kappaphycus alvarezii (16% de algas frescas) rica em minerais, fibras e antioxidantes. 

“Sou uma legítima ‘cria’ da FAPERJ”, revela Lívia, dividindo a entrevista com um momento de atenção para com o filho de cinco anos. Segundo ela, seu primeiro apoio da Fundação foi em 1999, por meio do programa de pré-iniciação científica, voltado a alunos do ensino médio, Jovens Talentos para a Ciência, que viabilizou seu estágio e a posterior conquista de bolsa integral na faculdade. De lá para cá, além dos apoios já citados, Lívia e Ana Lucia também contaram com recursos dos programas de Apoio a Projetos Científicos, Apoio a Empresas Juniores e Apoio ao Empreendedorismo de Impacto Socioambiental Positivo. 

Na opinião de Marcelo Corenza, assessor da Diretoria Científica da FAPERJ que representou a Fundação no workshop, o evento demonstrou o potencial econômico, social e sustentável da algicultura e o crescente interesse da comunidade da Baía da Ilha Grande pela atividade. Durante o evento, Corenza falou sobre a participação da FAPERJ no desenvolvimento econômico do estado do Rio de Janeiro por meio de editais, bolsas, auxílios e programas voltados para as mais diversas áreas da Ciência e Tecnologia.

Kappaphycus alvarezii era classificada como exótica, pois é originária da Indonésia; mas foi “domesticada” no Brasil ao longo de anos até mudar sua forma de reprodução sexuada (por meio de esporos) para assexuada (por fragmentos). Essa capacidade, explica Lívia, reduz a variabilidade genética e minimiza sobremaneira seu potencial de invasão, pois é cultivada em balsas, onde os fragmentos são fixados, e sem esse suporte ela morre. “Hoje ela faz parte do patrimônio genético nacional”, esclarece Lívia. Ela explica que essas macroalgas ainda têm importante função ambiental, pois são berçário de espécies como camarões, servem de alimento para tartarugas e, por crescerem rápido, absorvem muito CO2 e liberam bastante oxigênio durante a fotossíntese, contribuindo para a redução dos gases de efeito estufa. “Toda atividade gera um impacto ambiental, mas no caso da algicultura esse impacto é muito reduzido, principalmente porque ela é cultivada e não extraída do mar”, alega a bióloga. Quanto à possibilidade de o processamento agregar valor ao produto, Lívia exemplifica: 1 kg de alga fresca é comercializada a R$4,00 em média, enquanto a fração líquida usada como bioinsumo para agricultura, obtida a partir da extração após trituração, agrega valor, passando para de R$15 a R$60 o litro, de acordo com o processo produtivo de obtenção e comercialização do fertilizante.

“O Brasil precisa ainda desenvolver a cultura do mar, pois somos grandes produtores na agricultura e na pecuária, porém, quando chegamos na praia, viramos de costas para o mar quando se trata de produção relacionada a aquicultura”, considera Maurício da Mata. Para ele, a algicultura pode se tornar uma fonte complementar na renda de populações tradicionais costeiras, pois a alga é benéfica ao meio ambiente, gera empregos e renda com possibilidade de ganhos de forma igualitária para ambos os gêneros. “A algicultura se apoia no tripé ambiental, econômico e social”, ressalta.

Fonte: https://www.faperj.br/?id=382.7.4

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