quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Peixes "surgem" como resposta à fome em meio à aridez da África

Várias espécies se adaptaram ao ambiente e passaram a ser alternativas em localidades da região subsaariana

Pescador no Niger, país da África Subsaariana (Divulgação/FAO).
Raramente a água flui nas terras áridas da África Subsaariana e, mesmo assim, seus habitantes podem recorrer à pesca para matar a fome, embora muitos nunca tenham visto um peixe ou não saibam como pescar.

Sem ser uma região úmida nem desértica, há uma parte do subcontinente africano na qual vivem 390 milhões de pessoas e que é marcada pela aridez, com chuvas imprevisíveis e acúmulos de água que aparecem e desaparecem com o tempo.

Nos últimos anos, oscilou em até 20 metros o nível do lago Turkana, no norte do Quênia, enquanto o lago Chade se reduziu em 80% em quatro décadas.

Inúmeros pequenos peixes se adaptaram a esses ambientes em transformação e se tornaram um potencial recurso para as pessoas que dificilmente têm algo para comer nessas regiões.

Para estimular a produção dos peixes, a subdiretora de Pesca do governo queniano, Susan Imende, explicou recentemente em conferência em Roma que foram iniciados programas para secar esses animais ao sol e conservá-los apesar das altas temperaturas.

Outras medidas passam por desenvolver a aquicultura sustentável nas regiões áridas ou proibir de forma temporária a pesca no lago Naivasha a fim de recuperar suas reservas, já que antes o lugar ficava seco a cada dez anos e agora isso ocorre em um intervalo de quatro anos.

Os efeitos da mudança climática se somam à instabilidade política, segundo Imende, que lamentou não poder impulsionar o setor pesqueiro com o comércio regional quando países próximos como Burundi, Sudão do Sul e República Democrática do Congo estão imersos no conflito.

Em algumas ocasiões a pesca dessas pequenas espécies altamente nutritivas, que recebem denominações locais como "kapenta", "chisense", "dagaa" ou "kapesa", deve competir com a pecuária e a agricultura. Outras vezes são os próprios aldeões que disputam os recursos com os refugiados provenientes de regiões em guerra.

Por isso se recomenda tramitar de forma integrada o acesso aos recursos para os diversos usuários, explicou o especialista da Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Felix Marttin, que também incentivou o desenvolvimento do comércio desses peixes e a introdução deles na dieta com programas como o que Uganda destina à alimentação escolar.

Segundo o especialista da Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Andrew Read, é imprescindível falar com as autoridades e os beneficiados antes de iniciar qualquer projeto.

Na Somália, onde as profundas águas do oceano Índico cercam as terras semiáridas vítimas da seca, Read detalhou que a agência tenta fomentar o consumo de peixes, o mais baixo da África.

"Algumas comunidades nunca tinham visto um peixe", comentou o especialista, citando como exemplo o caso dos deslocados que fugiam do interior ou dos somalis que, mesmo vivendo no litoral, se dedicavam ao pastoreio.

Read explicou que, por meio de um projeto de cooperação, a agência ajuda à população em todos esses períodos, o que inclui a construção de embarcações que cumpram os padrões internacionais e substituam a precária frota existente.

A iniciativa busca equipar e formar melhor pescadores até então incapazes de encontrar os grandes cardumes ao redor e que na época da monção dificilmente podem trabalhar, mais um fator para que a fome aperte.

As comunidades isoladas dos rios, que mal têm o que comer, agora aprenderam a secar o peixe para consumi-lo quando a oferta local diminui.

O vice-ministro de Pesca somali, Said Jama Mohammed, reconheceu que a região sofre um aumento da insegurança alimentar neste ano como consequência da seca e necessita de apoio do exterior para criar emprego nas comunidades litorâneas sem recursos.

Combater a pesca ilegal dos navios estrangeiros, ensinar o povo a preparar o peixe e reduzir as perdas de alimentos são outras das prioridades, ressaltou Mohammed.



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