segunda-feira, 24 de junho de 2019

Verme que come pedra e defeca areia intriga cientistas

Espécie recém-descoberta nas Filipinas inaugura um novo gênero

Exemplar de um adulto de Lithoredo abatanica. Fonte: www.sci-news.com.
Algo curioso acontece em uma curta faixa de água doce nas Filipinas — uma coisa que não se repete em nenhum outro lugar do mundo. Nas margens do rio Abatan, ao longo de um trecho com extensão entre três e cinco quilômetros, as pedras mais parecem queijos suíços. Isso é obra do Lithoredo abatanica, uma espécie de molusco bivalve que tem aparência de verme. Ele não apenas cava túneis nas rochas para se abrigar, como também come pedra.

Mais esquisito ainda, o bicho “tritura” os minerais em seu sistema digestivo e solta areia como excremento. Identificada pela primeira vez em 2006 durante uma expedição do Museu Nacional Francês de História Natural, foi só recentemente que os pesquisadores tiveram a chance de olhar a espécie mais de perto. Cientistas dos Estados Unidos organizaram uma expedição de biodiversidade para as Filipinas.

O nome da criatura reflete suas particularidades: lito é a palavra grega para pedra, e teredo se refere aos animais da família dos teredinídeos, moluscos bivalves comuns pelos mares. E abatanica vem do nome do único rio onde ele é encontrado. De tão peculiar, o litoredo inaugurou um novo gênero na taxonomia. Apesar de parecer muito com um verme, ele não é tecnicamente um — sua classe inclui mariscos, mexilhões e ostras.

Mas seu parente mais próximo são os chamados “vermes de navio”, que há séculos são o terror dos marinheiros por comerem a madeira das embarcações e dos portos. Micróbios em seu interior transformam as lascas em uma sopa nutritiva. Não se pode dizer o mesmo das rochas. “Pedra não tem nutrientes, então não há muito ali dentro de que esse animal possa viver”, afirma em um vídeo Dan Distel, da Universidade do Nordeste, em Boston.

“Isso nos diz que ele está fazendo algo a mais, e deve ser muito interessante”, diz o diretor do Ocean Genome Legacy, co-autor do artigo publicado nesta quarta (19) no periódico Proceedings of the Royal Society B. Ambos os moluscos ficaram parecidos com vermes porque a evolução deixou seus corpos alongados demais e suas conchas pequenas demais. Elas ganharam novas funções: escavar pedras e lascar madeira.

Algumas espécies dessa família são enormes, incluindo o maior bivalve da natureza, que tem um metro e meio de comprimento e vive na lama dos mangues. L. abatanica é bem menor, com cerca de 10 centímetros apenas. Análise de seu trato digestivo mostrou que a rocha calcária de que ele se alimenta não é de fato digerida.

Os sedimentos saem do mesmo jeito que entraram — só que triturados. Moendo a pedra em areia, o verme contribui para aumentar o substrato do fundo do rio, podendo até influenciar no fluxo do Abatan. Agora os cientistas querem aprofundar o estudo para descobrir como os túneis escavados abrigam outras espécies e interferem na ecologia local.

Mas, principalmente, pretendem descobrir o que é que o litoredo come. Eles especulam que seja através de algum mecanismo parecido com o de seus parentes maiores, no qual as bactérias desempenham um papel fundamental. Além de entender melhor a família dos teredinídeos, será possível descobrir como esse animal desenvolveu a habilidade de moer pedra — algo completamente inusitado.


sábado, 22 de junho de 2019

Manejo de jacaré-açu: expectativa de ribeirinhos é comercializar carne do animal em 2020



Manaus - AM: O lago da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá fica assim aos finais de tarde, quando a população de jacaré-açu emerge para ver o pôr do sol. Nele, há pelo menos cinco mil animais machos e adultos em idade de abate, sem contar fêmeas e filhotes. Preocupante, a ocorrência endêmica da espécie gerou política púbica, e, com o abate controlado, os amazonenses poderão comprar carne de jacaré até em supermercados a partir do próximo ano.

Em fase de testes, a Planta de Abate Remoto (Plantar) – uma espécie de flutuante – está instalada na comunidade São Raimundo do Jarauá, dentro da RDS, onde mais de cem pessoas participam da contagem da população enquanto preparam a infraestrutura sanitária para realizar o início do abate, ainda no final deste ano.

“Estimamos iniciar o abate jacaré-açu com até cem animais, o que é pouco para o contexto do manejo da espécie, já que contabilizados cerca de 5 mil animais prontos para o abate, excluindo fêmeas e filhotes”, explica o pesquisador Robinson Botero-Arias, que coordena o projeto de manejo experimental de jacarés no Instituto Mamirauá, em parceria com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema).

Numa projeção otimista, Arias acredita que a carne de jacaré-açú deverá chegar ao comércio da cidade de Tefé e arredores já no início do próximo ano, ainda como parte da implantação da cadeia produtiva e comercial que envolve a comunidade na atual etapa do plano de manejo da espécie.

“Cumprimos as etapas de contagem da população saudável e identificação dos locais onde jamais faremos extração de jacaré, como aqueles pontos onde os animais colocam ovos, para garantir a sobrevivência da espécie a longo prazo”, explica Botero-Arias. “Restará iniciar o abate e testar a inserção dos projetos, como carne de jacaré em diferentes cortes para hotéis, supermercados e pousadas da região, a R$ 15 o quilo, um valor ainda sob análise”, ressalta o pesquisador.

Mais de cem pessoas da comunidade do Jarauá participaram da coleta de dados sobre as espécies. E, embora a planta de abate esteja instalada, não foram poucas as dificuldades técnicas e burocráticas enfrentadas pelo grupo para estruturar o manejo dos jacarés na área.  “Temos que comemorar que há muitas mulheres participando na superação desses desafios. A questão da infraestrutura exigiu mobilização de todos”, avalia o pesquisador.

Entre os principais problemas para a instalação da Plantar, Botero-Arias explica que as questões sobre saneamento e a necessidade de construção de uma fonte de energia por meio de placas solares foram totalmente superadas. “Estamos prontos para começar. Queremos a melhoria econômica para a vida das pessoas mas associada a uma estratégia bem sucedida de conservação para os animais”, disse.

Programa
O programa de Pesquisa em Conservação e Manejo de jacaré tem como objetivo gerar informações biológicas e ecológicas das quatro espécies de jacarés amazônicos: Melanosuchus niger (jacaré-açu), Caiman crocodilus (jacaretinga), Paleosuchus palpebrosus (jacaré-paguá) e Paleosuchus trigonatus (jacaré-coroa). O aproveitamento do couro dos animais abatidos também é motivo de debate entre os profissionais envolvidos na implantação do manejo.